A Jornada do Herói

Sulicídio foi um sucesso.

 

 

A música lançada em 2016, que acabou virando um hino para o nordeste,

Foi um divisor de águas para a carreira dos artistas Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski.

Ao perceberem o desafio que a centralização do R.A.P. no eixo RJ + SP representava para os outros estados

Eles aceitaram o fardo e bateram de frente com a situação.

Como resultado, chacoalharam o status quo e atingiram a fama.

E isso me lembrou um outro caso:

 

 

Nessa música, Kendrick Lamar fala:

"E essa vai para o Jermaine Cole, Big K.R.I.T., Wale,

Pusha T, Meek Millz, A$AP Rocky, Drake,

Big Sean, Jay Electron', Tyler, Mac Miller,

Eu tenho carinho por todos vocês mas eu vou tentar assassiná-los"

Mas ainda podemos pensar em outro caso...

 

 

O monomito, mais conhecido como "A Jornada do Herói",

É um conceito narrativo criado por Joseph Campbell

Discutido em seu livro "O Herói de Mil Faces".

Ele defende que a trajetória do herói é basicamente a mesma em todos os grandes mitos,

Passando por um processo de aceitação, desafio e mudança.

Esse caminho de aceitação é de fácil empatia

E nos identificamos rapidamente com a situação do personagem,

Podendo ser encontrado em jogos, quadrinhos e até na bíblia.

 

 

Um ótimo exemplo é do filme Matrix,

E podemos comparar o herói Neo com o rapper Baco Exu do Blues.

A jornada do herói costuma partir do que Campbell chamou de "Mundo Comum",

E começa de fato em um chamado para a aventura onde o herói costuma resistir a princípio.

Em Matrix esses três passos são bem claros,

O protagonista tem um emprego normal e recebe o chamado de Morfeu

Mas acaba se recusando a seguir todas as ordens dele a risca.

 

 

E trazendo para a realidade, essas características são bem comuns entre quem produz música,

Baco, mais especificamente, lia literatura clássica e ouvia muito Jazz e Blues segundo algumas entrevistas.

O chamado para o R.A.P. venho quando conheceu artistas como Eminem e Gabriel, o Pensador

E começou a escrever.

Mas a resistência dele ao R.A.P. tem uma característica um pouco mais incomum: sua dicção,

Baco conta que tinha um certo problema de comunicação e não conseguia se expressar direito.

Hoje ainda percebemos um pouco disso em suas entrevistas,

O que acaba sendo uma fragilidade interessante para nos identificarmos com o artista,

Já que é uma dificuldade que ele sempre tem que superar em suas músicas.

 

 

Continuando com a jornada, os passos seguintes são

O encontro com o mentor, a travessia do portal, e os testes, aliados e inimigos.

No filme Matrix, esse é um momento icônico, transposto quase literalmente na tela,

Morfeu, o mentor de Neo, apresenta duas escolhas para o protagonista em forma de pílulas,

Com uma ele esquece de tudo o que aconteceu até ali, e com outra ele aceita seguir um caminho sem volta,

Depois disso, ele sai da Matrix e é apresentado aos seus companheiros.

 

 

Baco diz ter como maior referência Mano Brown, e decidido fazer R.A.P. de uma vez por todas,

Lança o EP Old Monkey e faz uma parceria com o rapper Mobb chamada D.D.H..

Até aqui, nada fora do normal, mas é nos próximos passos que essa história começa a ficar interessante.

 

 

Agora, na jornada, temos a aproximação da caverna e a provação,

Que é todo aquele período do filme entre o entendimento total do objetivo do Neo

Até a difícil batalha contra o Agente,

Esse costuma ser o clímax das histórias que adotam esse tipo de estrutura de roteiro,

O grande momento de mudança, a grande batalha.

É comum que nessa etapa o mentor esteja em perigo ou já tenha morrido e deixado o fardo para nosso herói.

 

 

E aqui as coisas se misturam um pouco,

Baco se aproxima da caverna ao perceber a exclusão cultural sofrida pelo nordeste

E uma cena debilitada pelo público que consumia o que vinha de fora mas não valorizava a produção local,

O resto do Brasil também ignorava o R.A.P. que vinha do nordeste,

E com a cena do R.A.P. nordestino morrendo, Baco aceita o fardo e escolhe atacar,

Como recompensa, a música "Sulicídio" é um sucesso.

 

 

Seu próprio nome artístico, Baco, remete ao Deus do Vinho Dionísio,

Chegando a citar o Olimpo em outros momento

E se colocando contra essa postura do público de endeusar outros rappers.

Além disso, seu nome é acompanhado pela alcunha "Exu do Blues",

Alcunhas são comuns em momentos históricos de conflito, como Alexandre "O Grande" e Billy "The Kid".

 

 

E a postura revolucionaria do artista reafirma a disputa a todo o momento

Em contraponto a figuras somente progressistas, como o rapper Rapadura,

E está em constante mudança,

Uma prova disso é a transição da objetificação das mulheres em seu clipe da música "999"

Para o empoderamento feminino no mais recente "O Culto".

E é isso tudo o que destaca o rapper o aproximando tanto do monomito.

 

 

Pode parecer um absurdo comparar a cena do R.A.P. no Brasil com o futuro pós-apocalíptico de Matrix,

Mas são realidades mais próximas do que parecem.

Vivemos em uma era onde a paranoia tecnológica está em alta e a internet vem ditando as tendências,

O sucesso vem na forma de views, algo virtual e não algo sólido,

E pra confirmar o caráter de batalha dessa situação, vários adversários atacaram de volta.

 

 

Para terminar a Jornada do Herói, temos a estrada de volta, a ressurreição e o retorno com o elixir,

É quando Neo falha em retornar para a realidade e se descobre como o ser poderoso que é,

E Baco, mesmo ao tentar retornar para seu status normal de produção musical,

Ressurge como uma figura inovadora que não abraça de forma absoluta o peso no nordeste,

Mas faz questão de acrescentar uma pequena, mas significante, parte da cultura em suas músicas,

Sempre agressivo e lembrando seus inimigos que está ali para incomodar.

 

 

O elixir, em Matrix, se apresenta na forma de um orelhão,

Onde Neo também incomoda, prometendo ir contra a Matrix e ajudar a todos

E o filme termina com ele voando, simbolizando uma esperança para o futuro.

Baco abriu as portas não só para o nordeste, mas para o R.A.P. de todo o Brasil.